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O abismo entre a Teoria e a Prática da não monogamia

Entre o ideal e o real, o que é possível?

Reflexões e Conexões NãoMono
4 min readNov 15, 2022

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No último encontro do grupo conexões não mono estávamos conversando sobre o abismo que existe entre a teoria e a prática da não monogamia.

Falamos sobre o quanto a prática traz novos contextos e desafios nunca vislumbrados no campo teórico.

No contexto da teoria tudo parece lindo e perfeito e possível e viável e praticável… mas coloca pessoas reais na conta, nada vai ser como estava no script.

Na maioria das vezes, nossos gatilhos e emoções “invadem” o rolê da razão e destroem a “festa ideológica” não mono que foi lindamente planejada na nossa cabeça. O resultado é uma ressaca moral de culpa e auto-condenação por não darmos conta de ser aquilo que acreditamos e queremos ser.

O campo teórico é formado por hipóteses e conjecturas que não conseguem dar conta de toda a complexidade da realidade.

O “saber” é, muitas vezes, construído por pessoas que estão num lugar de poder e privilégio e que têm pouco ou nenhum conhecimento da vivência real e da labuta diária que essa vivência exige. Aqui um bom exemplo seria o fato dos homens (brancos) que sempre dominaram a produção acadêmica e sempre fizeram as leis. Eles sempre construíram teorias sobre o corpo e a sexualidade feminina, parto e amamentação, sobre raça e classe social… Sem nunca terem aquela “vivência” de fato.

Quem diz “a verdade” sobre a Não Monogamia?
Quais os “teóricos” ou “influencers” que te influenciam?

Alguns deles (nem todos) vão te oferecer um conhecimento teórico, baseado em outros teóricos estudados (que na NM são pouquíssimos, principalmente em português), e alguns irão te oferecer uma visão da prática que é baseada em sua vivência pessoal dentro do seu próprio recorte e contexto de vida.

E por mais que essa pessoa tenha um conteúdo interessante, ela não calça os seus sapatos.

Essa pessoa por exemplo não é gorda… e fala do amor abundante como se o amor fosse abundante pra todo mundo, mas na real, devido aos padrões estéticos de nossa cultura, pra algumas pessoas o amor não vai ser abundante. Essa pessoa não é uma mulher preta, ou pcd, ou trans, que terá também dificuldades específicas que uma mulher branca, cis ou não deficiente nunca teria.

Ela por exemplo, pode não ser mãe, e fala dos seus vários afetos e de seu tempo livre pra passar com os afetos sendo que uma mãe não tem esse tempo e essa disponibilidade. Além de não ter vários afetos interessados em passar tempo com ela e auxiliar no cuidado com os filhos.

Então essa pessoa de influência que não é mãe provavelmente não conseguirá oferecer soluções práticas para que as mães possam de fato vivenciar sua liberdade sexual e relacional. Mas é claro que o discurso é muito crítico e político de “abaixo à entidade casal e à família nuclear” (mas quem me ajuda com as crianças é o parceiro existente e a família nuclear) e “ninguém tem que ser prioridade” (mas quem efetivamente lava a roupa e cuida das crianças e carrega toda a carga mental vai querer ser secundária?).

E essa mesma pessoa influencer que abriu uma página no instagram há 6 meses sobre não monogamia e magicamente se tornou uma “autoridade” no assunto é provavelmente aquela que vai te julgar e jogar um discurso de hierarquia quando você explicar que tem muito medo de não ser mais a prioridade na vida de sua parceria e se sente melhor em acreditar que vocês têm uma “relação principal”.

Essa pessoa, pode não ter (e nunca ter tido) uma relação “maravilhosa” de fusão e dependência emocional, financeira, etc. Sim porque muitas das nossas relações foram e ainda são maravilhosas, mesmo sendo monogâmicas. Muitos de nós aqui, crias do amor romântico, socializados pra encontrar nossa alma gêmea, nós encontramos essa suposta “alma gêmea”. E a gente se agarrou a ela com unhas e dentes, porque principalmente nós mulheres temos traumas intergeracionais de sermos abandonadas e ver nossos filhos morrendo de fome porque no passado, não era possível para nós trabalhar E cuidar dos filhos. Então perder o nosso parceiro significava um risco à nossa sobrevivência e dos nossos filhos.

Sem contar que fomos tão traídas e violentadas no passado que quando encontramos um/a parceire massa que nos trata com amor e carinho, nós realmente não queremos correr o risco de perder essa pessoa ou de dividir seu afeto com outras, ou de tê-la menos presente em nossa vida… por mais que desejemos ser livres e permitir que essa pessoa também seja livre.

Então minha gente, há um abismo entre a teoria, a ideologia, e a prática real de se viver a não monogamia nesse mundo zoado. Temos um ideal a atingir, mas antes dele há inúmeros obstáculos, contextos e variáveis, e no fim, só nós saberemos realmente o que é possível no momento presente.

Nas nossas relações, teremos que “conciliar” a teoria com a prática.
Entre aquilo que eu acredito e que seria o ideal de relação pra mim, e aquilo que estou vivendo que está longe de ser o ideal: O QUE É POSSÍVEL?

Esse possível é um acordo consentido entre todas as pessoas envolvidas?

Se sim, então vamos continuar nosso processo de desconstrução, nos esforçando pra nos livrar da dependência emocional, de crenças românticas, do comportamento monogâmico que reproduz a posse e o controle…

Mas ao mesmo tempo vamos ligar um grande foda-se pra pessoas arrogantes que não sabem absolutamente nada da nossa vida, dos nossos traumas e nossos perrengues.

Texto de Ade Monteiro

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