Reflexões sobre questões estruturais e os atravessamentos subjetivos
Por Gisa Rocha
--
Ao me relacionar com homens cis heteros é bem frequente que eu precise apontar algum comportamento machista, ainda que sutil. Quando isso acontece, eu tenho a expectativa de que o homem ouça, reconheça e reveja seu comportamento sem tentar se justificar.
É tão comum ter que lidar com “machismos corriqueiros” que dificilmente eu duvido da minha capacidade de discernimento. Entretanto, aconteceu uma situação em que eu tive que separar a ação machista, de uma frustração pessoal. Vou contar o contexto para vocês entenderem melhor.
Eu me relaciono com um homem cis hetero cuja iniciativa com as tarefas domésticas deixa a desejar. Ele se propõe a fazer, mas não é proativo. Durante uma viagem, nós passamos 10 dias juntos numa mesma casa e a divisão das tarefas se tornou um ponto de conflito. Do alto da minha razão, cobrei que ele agisse como uma pessoa adulta e consciente, e apontei o machismo contido na sua inércia.
Pra ilustrar minha indignação, ressaltei que nas minhas outras relações, com pessoas que têm vulv@, esse tipo de coisa não acontecia. Ele ficou magoado por não atender às minhas expectativas e se afastou cabisbaixo.
Eu fiquei triste com a discussão. Depois de um tempo conversando com a minha tristeza, me dei conta de que ela não estava relacionada diretamente àquela situação. Havia questões anteriores que estavam me afetando, e a somatória de tudo me deixou fragilizada.
Por conta dessas questões, dividir casa com um homem hétero cis, me deu a impressão de estar lidando apenas com o ônus do patriarcado; o que eu não veria dessa forma se a nossa relação estivesse atendendo outras necessidades pessoais. Eu sei que eu não estava errada nas minhas queixas e que a questão estrutural certamente interfere na subjetividade da relação, mas precisei esmiuçar meus sentimentos para não colocar tudo na conta da assimetria de gênero.
Se nós estivéssemos conectados como eu gostaria, a louça suja ainda seria pauta de discussão, mas o apontamento estaria voltado à reparação do comportamento machista. Porém, a partir do momento que o problema estrutural se misturou à insatisfação pessoal, eu me vi tentando feri-lo com comparações de como minhas outras relações eram melhores em vários quesitos. E nesse caso, não tinha nada a ver com a louça, mas com minha frustração por expectativas que ele não tinha a obrigação de atender.
Tenho percebido o quão desafiador é colocar limites e apontar comportamentos tóxicos sem manipular o outro para benefício pessoal, e sem terceirizar a culpa pelos meus próprios comportamentos tóxicos.
Pode existir uma linha tênue entre ter razão acerca de queixas estruturais, mas usá-las como instrumento de punição pessoal. Então venho trabalhando a autorresponsabilidade de não acessar meu lugar de pessoa historicamente oprimida para submeter alguém às minhas vontades ou puni-la pelas minhas frustrações.
Não quero eleger um bode expiatório para despejar todo meu ressentimento social. Afinal, é mais fácil atingir a quem, apesar dos seus privilégios, reconhece minhas dores e não quer perpetuá-las. E justamente por isso, vai se submeter aos meus ataques.
Prefiro apontar os comportamentos que precisam ser revistos e ganhar um aliado, para juntos atacar quem oprime deliberadamente e não tem qualquer pretensão de abdicar do seu lugar de privilégio. Eu anseio por justiça, não por vingança.