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Relações Não Mono são inerentemente inseguras

Texto compilado por Ade Monteiro

6 min readMay 21, 2021

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Jessica Fern, psicóloga e terapeuta de casais, autora do livro “PolySecure”, relata que, há alguns anos, começou a receber casais em seu consultório que buscavam uma abertura da relação a fim de explorar a não monogamia. Percebendo essa nova demanda, ela foi buscar informações e começou a pesquisar o assunto. À medida que ela se aprofundava nas leituras, ela foi também compreendendo que essa escolha fazia sentido pra ela.

Ela então conversou com seu marido e passaram a fazer a transição para a NM. Após um tempo ela se envolveu com “Corey” que também era casado e não monogâmico. Sentindo-se apaixonada e muito envolvida nessa nova relação (ela já conhecia sobre a teoria do Apego), Jessica propôs a Corey estudarem mais a fundo a teoria do apego com o propósito de encontrar formas de construir um vínculo seguro entre os dois, que se amavam muito porém estavam em relações estáveis com outros parceiros. Ou seja, a relação com Corey não tinha o aparato do modelo monogâmico que supostamente oferece essa “base segura” à relação (como o casamento, a coabitação, a exclusividade).

Jéssica diz no livro que encontrou pouco material na Teoria do Apego sobre o “como” construir um apego seguro consigo mesmo e nas suas relações, e muito menos sobre como construir vínculos saudáveis nas relações não mono. Tudo na Teoria do Apego se referia à mononormatividade e na verdade utilizava a monogamia, o casamento, como uma ferramenta para construir um vínculo seguro. Portanto ele se questiona: se não existe essa estrutura que “reforça” o vínculo, dos rótulos, da coabitação ou do casamento, não é possível construir vínculos saudáveis e seguros?

Em sua experiência como terapeuta, Jessica relata que, embora algumas pessoas lidassem bem com a transição da monogamia para a não monogamia, muitas apresentavam grandes dificuldades e sofrimento nessa abertura. A partir desse desafio que lhe foi apresentado em sua prática profissional e sua vida pessoal, ela se dedicou aos estudos sobre a Teoria do Apego e também sobre relações monogâmicas e em 2020 lançou seu livro “Polysecure” no qual ela conceitua a Teoria do Apego no contexto das relações monogâmicas e apresenta ferramentas para a construção de vínculos seguros em relações não mono.

Ela afirma que “Relações não mono são inerentemente inseguras” por vários motivos que serão detalhados abaixo:

1. Mais relações, maiores desafios ao formar/romper vínculos

Na não monogamia as pessoas são livres para se relacionar sem exclusividade, e muitas estão intencionalmente buscando formar vínculos com mais de uma pessoa, o que evidencia uma maior “frequência” afetiva e relacional.

Relacionar-se com mais pessoas inevitavelmente acarretará múltiplas dinâmicas relacionais e uma diversidade de desafios, assim como muito aprendizado também. As relações são espelhos, e cada relação poderá trazer à tona questões emocionais e relacionais que talvez precisem ser trabalhadas.

2. Exposição de inseguranças que estavam “mascaradas” pela estrutura Monogâmica

A Monogamia pode servir como um substituto para um apego seguro real e criar uma ilusão de apego seguro, pois você depende (se ancora) na outra pessoa e nos ‘contratos monogâmicos’ para ter uma sensação de segurança, e abrir a relação irá expor uma relação de vínculo inseguro (a experiência relacional talvez não fosse tão segura) assim como poderá expor um estilo de apego inseguro (a nível pessoal).

3. A Monogamia é considerada a única forma de se estabelecer vínculos seguros

Casamento e filhos = segurança. A grande maioria das pesquisas sobre vínculos se baseia em casais monogâmicos, e a monogamia é pressuposta nesses estudos. A monogamia é prescrita como uma condição para estabelecer vínculos seguros. “O vínculo de casal é o protótipo do vínculo na vida adulta”. E você precisa criar essa bolha de casal para se sentir segura.

Pesquisas (ainda limitadas) mais recentes mostram que pessoas em relações mono não estão mais propensas a apego seguro do que relações NM. Um estudo mostra que pessoas em relações NM tem menos tendência ao apego evitativo. Ainda não há nenhuma pesquisa ou recursos orientando em como criar um apego seguro no poliamor ou NM.

4. A Não Monogamia não tem validação social e estrutural

A mononormatividade vê a união exclusiva, coabitação ou o casamento, como a única base do vínculo seguro e assim pessoas não mono sofrem uma pressão social e interna (na forma de julgamento, críticas, condenações) de que suas relações são superficiais ou focadas na satisfação sexual. “A perda dos privilégios monogâmicos não pode ser subestimada”.

5. A Não Monogamia pode “simular” um ambiente Inseguro

Pessoas em relações monogâmicas estáveis se acostumaram com um nível e frequência de atenção, e na NM isso poderá mudar, a frequência afetiva pode se tornar mais inconsistente, menos previsível ou não tão acessível como antes.

6. A Não Monogamia pode “simular” um ambiente Desorganizado

Principalmente para o casal que parte de uma relação mono muito fundida e co-dependente, o vínculo pode se tornar muito desorganizado, pois “a pessoa que era seu conforto pra tudo agora está te “engatilhando” o tempo todo (mesmo que não intencionalmente, ela pode estar fazendo tudo dentro dos acordos) mas suas ações se tornam extremamente ameaçadoras e você agora sente que quer estar perto dela, ter intimidade, porém vc sente machucada e quer se distanciar, e acaba entrando num estado desorganizado de apego.

7. Relações Não Mono podem despertar o “pânico primário”

Somos programados para conexão como um instinto de sobrevivência (conceito de estampagem de Konrad Lorenz), então a desconexão emocional é sentida como uma “ameaça de morte”, e foi registrada no nosso sistema nervoso como um medo avassalador que vai se evidenciar nas relações não mono quando não há a condição de exclusividade.

8. O Ciúme da pessoa não mono é julgado e condenado*

Na abertura para uma relação não mono, a pessoa pode ser acusada de ciumenta e insegura mas na verdade é o relacionamento que não está mais oferecendo o mesmo nível de vínculo, segurança e conforto que oferecia… E isso pode desequilibrar o sistema de apego, e então a pessoa se questiona se vale a pena, se é isso mesmo que ela quer, pois ela se sentia muito segura com sua parceria e agora se sente extremamente insegura.

* Embora haja a crença de que pessoas não mono não sentem ciúmes, isso é um mito, pessoas não mono sentem ciúmes, porém argumenta-se que estejam mais dispostas a compreender, a lidar e trabalhar esse sentimento.

9. Discrepâncias nas expectativas de vínculo

Enquanto na monogamia as expectativas de vínculo já são bem claras normatizadas dentro do esquema da escada relacional, na não monogamia pode haver o que ela chama de “mismatch”: uma ‘discordância’ nas nossas expectativas de vínculo… muitas pessoas querem ou precisam de rótulos ou estruturas para se sentirem seguras na relação (desejam seguir na escada relacional por ex) outras já não querem isso. Então conflitos podem surgir ao se questionar e refletir se os rótulos são provas de vínculo, muitas pessoas têm históricos de abandono e ansiedade e necessitam de um “norte” em relação ao estágio em que a relação se encontra.

10. Maior probabilidade de rupturas de vínculos

Novamente, devido à uma maior liberdade de estabelecer conexões e criar vínculos, na não monogamia as pessoas também estão mais propensas a vivenciar novos traumas e rupturas nos seus vínculos. Transacionar da M para a NM pode criar rupturas adicionais que não estavam previstas, as pessoas não esperam ou não antecipam que algumas pessoas e até comunidades podem se afastar delas em consequência de sua escolha em vivenciar a não monogamia. “Porém novos relacionamentos e comunidades podem curar esses traumas de apego”.

Na próximo texto falaremos sobre propostas e exercícios que Jessica Fern apresenta com o objetivo de construir vínculos seguros em relações não monogâmicas.

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Reflexões e Conexões NãoMono

Conscientização sobre a Não Monogamia Ética organizando conteúdo e espaços de reflexão e conexão entre as pessoas que se identificam com o tema.